A poeta argentina Alejandra Pizarnik. |
Por Antonio Fernández Vicente*
O escritor Jorge Luis Borges nos disse que
"toda casa é um castiçal onde a vida dos homens queima como velas
isoladas". O isolamento em casa pode ser mais uma razão para o
desinteresse e o tédio. Mas também uma oportunidade para nós, longe das preocupações
habituais, de nos olharmos no espelho.
Ver a nós mesmos refletidos nos permite ponderar.
Distanciamo-nos do ambiente familiar em que vivemos. É como ter parado de
morrer. Nesses momentos excepcionais, é mais fácil apreciar claramente os
detalhes inadvertidos de nossas vidas diárias.
Tudo o que somos ou pensamos que somos, ou o que gostaríamos de ser, se reflete no espelho quando se sabe olhar atentamente. Você verá o despercebido.
Nesse período de retirada forçada e inquietação,
pode haver ocasião para considerar algumas reflexões:
1. Pensando sozinho
Aproveite a oportunidade para se afastar das
multidões não apenas fisicamente, mas mentalmente. Pergunte a si mesmo se você
prioriza bem seu tempo; se você dedica o necessário ao que realmente ama ou,
pelo contrário, a ocupações vagas.
Imagine outras vidas possíveis para você e para os
outros. Pensar é ser utópico no melhor sentido. E pensar é também dizer não,
tanto quanto discordar e deixar o rebanho incomoda aqueles que não entendem a
diversidade e as diferenças.
Pergunte a si mesmo se seu ritmo de vida é calmo ou
infernal e apressado. Você se sente livre em sua vida diária? Você apenas segue
a inércia dos caminhos já trilhados?
"Liberdade que eu não conheço, mas a liberdade
de ser preso em alguém
Cujo nome eu não posso ouvir sem tremer;
Alguém para quem eu esqueço essa existência
mesquinha,
Para quem dia e noite são o que eu quero.”
(Luis Cernuda, Se o homem pudesse dizer)
Para essa tarefa de pensar e nessa busca por uma
vida boa, use a ajuda de grandes escritores, por exemplo. Amplie seus
horizontes de pensamento. Leia com atenção e silêncio, em uma solidão
compartilhada, as ocorrências de autores mais sábios que você. Seja humilde:
ninguém é autossuficiente.
Não procure justificativas para as prisões cotidianas que dependem de você. Também não se console com soluções fáceis e confortáveis. Para viver melhor, às vezes é preciso sacrificar privilégios: menos ambição de viver mais. Escolha bem por quem será aconselhado a ser honesto consigo mesmo:
“Feche-se o máximo que puder; relacione-se com aqueles que o farão melhorar; admita quem você pode fazer melhor. "
(Sêneca, Cartas a Lucilius)
2. Discussão
Você nem sempre pode viver sozinho. Outros, às
vezes são o problema e outras vezes, a solução. Normalmente, as relações com
nossos congêneres são geralmente superficiais e funcionais. Medimos tudo em
números, em balanços econômicos, em lucratividade. "De que utilidade essa
pessoa me serve?"
Não damos importância suficiente à crise invisível
de afetos. Talvez esse parêntese de pesadelo possa servir, em alguns casos,
para recuperar um relacionamento deteriorado, um amor fossilizado ou uma
amizade podre.
"Eu quero você no meu paraíso
isto é, no meu país
as pessoas vivem felizes
mesmo se eu não tiver permissão
Se eu te amo, é porque você é
meu amor meu cúmplice e tudo
e na rua lado a lado
somos muito mais que dois ”.
(Mario Benedetti, Eu te amo)
Não só na rua podemos ter mais de dois. Também na privacidade da casa. Tente ter conversas simples com o ambiente mais próximo, agora, cara a cara e em confinamento.
Ouça em profundidade enquanto lê cada uma das
sílabas e palavras do seu poema favorito. Ouvir assim já é uma declaração de
amor, eu amo você, um presente que você oferece com generosidade. E
não espere nada em troca: um relacionamento humano não é uma transação
econômica, e essa é a nossa esperança.
Essas conversas não têm outro propósito, a não ser
entrar em um relacionamento e se sentir ouvido. Elas são os encontros
desinteressados que forjarão laços emocionais, laços emocionais que construirão
uma verdadeira comunidade. Fale para conversar e ouça para ouvir.
3. Projeto
É hora de criar projetos e iniciá-los. Não se torne
um projétil que colide com outros, lançado por uma inércia econômica
devastadora. Ou pare de ser assim, se no espelho em que você reflete agora você
não gosta do que vê.
O que você faz, cuja única recompensa é a alegria
de ter feito bem? Em nossa sociedade excessivamente utilitária, nada é feito
por si só: valor e preço são confusos.
Todos terão que encontrar seus projetos. Alguns
mais simples, outros mais complexos, alguns individuais e outros coletivos, mas
sempre na tranquilidade do espírito.
A vida não deve ser uma disputa eterna que
discrimine entre vencedores e perdedores. O importante é a viagem, o trajeto,
não o simples fato de chegar primeiro ao destino. Por que não projetar sem
esperar que "seja melhor que outro"?
Aprenda a ouvir em um mundo cheio de pessoas que falam para não vê-lo. Aprenda a olhar com olhos que eram "pedaços do infinito" para a poeta Alejandra Pizarnik. Ame a beleza que brilha no meio do caos, acima do vulgar e frívolo.
Tente responder à pergunta socrática "Como devemos viver?" Talvez Antonio Vega tenha respondido a essa pergunta melhor do que qualquer outra pessoa. Deveríamos habitar aquelas casas "onde a imaginação nos levou, onde de olhos fechados podemos ver campos infinitos".
Você pode viajar para esses lugares de sonho sem
sair de casa. Você apenas tem que se olhar no espelho e imaginar.
Artigo postado em The Conversation e traduzido por Papo de
Filósofo®
*Antonio Fernández Vicente - Professor de teoria da comunicação, Universidade de Castilla-La Mancha