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Por Vânderson Domingues
Aquela cena da padaria trouxe a certeza de que algo com a humanidade deu muito errado. Um homem agonizando até a morte enquanto clientes o ignoravam em busca do pão francês quentinho. Logo depois, o corpo já morto no chão, separado dos pedidos de pingados por um cercadinho de cadeiras e sob um saco plástico improvisado. Quase todos indiferentes à tragédia. Tínhamos conseguido coisificar a vida humana em grau maior. "Estou sentindo que estou sem alma", disse Carlos Eduardo na semana antes de morrer. Talvez por pressentir o próprio fim, alguns dirão. Mas é possível também que ele tenha simplesmente desabafado a dor de não ser considerado sujeito. O sofrimento de não ser reconhecido em sua humanidade, flagrante na máxima invisibilidade diária que lhe fora reservada e confirmada na fatídica manhã. Não sei dizer ao certo o motivo de suas palavras. Sei que por movimentos egotistas, muitos de nós banalizamos a indisponibilidade para os verdadeiros encontros, assistimos com apatia a angústia dos outros, e nos perdemos na objetificação das relações.
(Dezembro de 2020)
*Sobre o ocorrido em uma padaria de Ipanema em novembro de 2020.